domingo, 2 de julho de 2023

O domínio da vingança?

O principal órgão da Justiça eleitoral decidiu condenar o último ex-presidente do país com a pena de inelegibilidade, por abuso de poder político e uso indevido dos meios de comunicação, pelo prazo de oito anos, sob o fundamento de que ele patrocinou reunião com embaixadores estrangeiros, em que ele teria atacado, sem provas, o sistema eleitoral.

A aludida reunião foi transmitida pelo canal oficial do governo e nas redes sociais dele, onde o ex-presidente, que era pré-candidato à reeleição, fez declarações sem provas colocando em dúvida a credibilidade e a segurança  das urnas eletrônicas e do processo eleitoral, em si.

A defesa do agora inelegível alegou, em sua defesa, que a mencionada reunião teve caráter eleitoral e, por isso, jamais o objeto dela deveria ser motivo de apreciação e julgamento pelo órgão que o condenou.

Com a decisão, o ex-presidente Bolsonaro fica impedido, em tese, de participar das eleições até 2030, considerando que a inelegibilidade começa a contar a partir de 2 de outubro do ano passado.

Embora sejam admissíveis recursos do ex-presidente junto ao próprio órgão julgador e à corte suprema da Justiça brasileira, já se sabe previamente que o resultado não será diferente, uma vez que os julgadores fazem parte do abominável sistema dominante.

Em tese, nesse imbróglio, não se pode negar, porque os fatos são bastantes cristalinos, que o ex-presidente do país, na qualidade de autoridade máxima da nação, se mostrou extremamente insensato e insensível às atribuições inerentes à liturgia do verdadeiro estadista, que tem como norma epistolar do cargo somente agir em função do interesse público.

Na verdade, no caso, ficou mais do que translúcido que o objetivo dele era realmente denunciar, precisamente à toa e sem objetividade alguma, logo para quem nada poderia fazer para solucionar as questões apontadas por ele, à vista das fragilidades sobre as confiabilidade e segurança do funcionamento do sistema eleitoral brasileiro, em especial, quanto aos mecanismos inerentes à operacionalização das urnas eletrônicas.

A situação do ex-presidente se tornou enormemente grave porque a sua intenção de denunciar a precariedade do sistema eleitoral teve enorme repercussão junto aos países amigos, com a exposição de possíveis deficiências administrativas de exclusiva competência interna do Brasil, cujas medidas, pasmem, competiam também ao seu poder de chefe do Executivo, que poderia elaborar projeto de lei apropriado, visando ao aperfeiçoamento das normas aplicáveis ao citado sistema, como fazem normalmente os países evoluídos, em termos político-democráticos.

Não obstante, em razão da indiscutível incompetência administrativa, o ex-presidente preferiu, de forma injustificável e absurda, fazer denúncia ao mundo, por meios absolutamente inócuos, porque, além de escancarar as mazelas brasileiras, no que diz respeito ao sistema eleitoral, isso somente contribuiu para potencializar as péssimas relações existentes no âmbito dos poderes Executivo e Judiciário, de modo que a situação ainda permaneceu com a preponderância das mesmas deficiências, cujo resultado foi o seu afastamento do poder, justamente com o adjutório os mecanismos suspeitos da inexistência das necessárias credibilidade e segurança.

Caso o presidente tivesse o mínimo de sensibilidade e perspicácia político-administrativas, ele certamente teria evitado a desastrosa reunião, ficado em estrondoso silêncio, especialista nisso como ele é, tanto que ele ficou dois meses calado, depois das eleições, e simplesmente providenciado o devido projeto de lei, contendo as medidas capazes de corrigir as falhas alegadas por ele, diante da imperativa necessidade do aprimoramento da legislação aplicável ao processo eleitoral brasileiro.

Essa medida, aliás, estaria em consonância com as atribuições do verdadeiro estadista, que tem o cuidado de somente agir em estrita sintonia com a satisfação das necessidades do interesse público, que foi algo completamente diferente dos objetivos pretendidos com a deplorável reunião em tela, sem quaisquer finalidade nem objetividade, em termos do necessário saneamento dos problemas internos.

O certo mesmo que é possível se concluir que o ex-presidente incorreu em falha funcional, ao patrocinar reunião com embaixadores absolutamente desnecessária, em clara dissonância com a liturgia do cargo máximo do país e a legislação de regência do sistema eleitoral, conquanto as questões administrativas do Brasil devem ser resolvidas pelas vias apropriadas, evitando-se injustificável exposição dos problemas político-institucionais para o mundo, que não tem competência alguma para resolvê-los.

Assim, conquanto possa ser considerada errada e descabida a reunião em apreço, fica patente que isso não constituiu qualquer prejuízo ao funcionamento do sistema eleitoral, porque não houve influência ponderável para absolutamente nada.

A falha presidencial apenas mostrou notória deficiência administrativa, cujo deslize jamais deveria ser objeto a justificar a pesadíssima pena da inelegibilidade, exatamente por inexistirem causas passíveis de plausibilidade para a situação em si, quando muito seria o caso de mera advertência, como medida preventiva e pedagógica, ou até mesmo multa pecuniária, para que isso não ficasse sem a devida reprimenda por parte do controle e da fiscalização inerentes ao sistema eleitoral.

Em síntese, a decisão consistente na inelegibilidade do ex-presidente se harmoniza com o momento excepcional de disputa ideológica, em que prevalece o poder do sistema, que age sob o domínio da força da união que anima os seus propósitos liderados pelo sentimento de revanchismo e justiçamento, por causa das disputas sem qualquer motivação que as justifique.    

É preciso que o resultado dessa esdrúxula e desnecessária disputa de poder suscite a consciência dos verdadeiros brasileiros de que de nada adianta ficar se alegando bonitos legados do ex-presidente, mas sim de que o momento é de definição quanto ao destino do Brasil, que não pode ficar à mercê do domínio do sistema, que entende que pode decidir sobre o bem e o mal.

Convém que os brasileiros, no âmbito do seu sentimento cívico e patriótico, reajam e não permitam que o sistema dominante continue a imperar soberanamente, impondo a sua vontade visivelmente acima dos ditames constitucionais e legais, como nessa decisão de inelegibilidade, em que prevaleceu o indiscutível desejo de vingança.  

            Brasília, em 2 de julho de 2023 

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