sexta-feira, 29 de dezembro de 2017

A falta da competência

Os governadores do Nordeste enviaram carta pública ao presidente da República com protesto contra a declaração do ministro-chefe da Secretaria de Governo, admitindo que o governo pressiona gestores estaduais e municipais a trabalharem a favor da aprovação da reforma da Previdência, sob a condição para a liberação de recursos referentes a financiamentos de bancos públicos, como a Caixa Econômica Federal.
No citado documento, os governadores prometem acionar política e judicialmente os agentes públicos envolvidos, caso se confirme a “ameaça” anunciada pelo ministro.
O Broadcast Político, serviço de notícias em tempo real do Grupo Estado, teve acesso à aludida carta, sendo que um parágrafo diz o seguinte: “Os governadores do Nordeste vêm manifestar profunda estranheza com declarações atribuídas ao Sr. Carlos Marun, ministro de articulação política. Segundo ele, a prática de atos jurídicos por parte da União seria condicionada a posições políticas dos governadores. Protestamos publicamente contra essa declaração e contra essa possibilidade e não hesitaremos em promover a responsabilidade política e jurídica dos agentes públicos envolvidos, caso a ameaça se confirme”.
Os governadores dos nove Estados do Nordeste pedem que o presidente brasileiro “reoriente” seus ministros para evitar práticas classificadas pelos signatários como “criminosas”, porque “Vivemos em uma Federação, cláusula pétrea da Constituição, não se admitindo atos arbitrários para extrair alinhamentos políticos, algo possível somente na vigência de ditaduras cruéis. Esperamos que o presidente Michel Temer reoriente os seus auxiliares, a fim de coibir práticas inconstitucionais e criminosas”.
Em entrevista, o questionado ministro admitiu que o Palácio do Planalto pressiona os governadores a trabalharem a favor da aprovação da reforma da Previdência, em troca da liberação de recursos em financiamentos de bancos públicos, nestes termos: “Realmente, o governo espera daqueles governadores que têm recursos a serem liberados, financiamentos a serem liberados, como de resto de todos os agentes públicos, reciprocidade no que tange à questão da (reforma da) Previdência”.
O ministro negou que a negociação se configura como “chantagem”, por considerar que “Financiamentos da Caixa são ações de governo. Senão, o governador poderia tomar esse financiamento no Bradesco, não sei onde. Obviamente, se são na Caixa Econômica, no Banco do Brasil, no BNDES, são ações de governo, e nesse sentido entendemos que deve, sim, ser discutida com esses governantes alguma reciprocidade no sentido de que seja aprovada a reforma da Previdência, que é uma questão que entendemos hoje de vida ou morte para o Brasil”.
Como revelou a Coluna do Estadão na semana passada, o novo ministro da articulação do governo levantou todos os pedidos de empréstimos na Caixa, por Estados, capitais e outras grandes cidades e condicionou a assinatura dos contratos à entrega de votos pelos governadores e prefeitos que exercem influência sobre os deputados.

Diante de gigantesca irracionalidade administrativa protagonizada por ministro paspalhão, que havia anunciado, como medida de governo que os bancos oficiais iriam condicionar os financiamentos aos estados e municípios ao apoio político à reforma da Previdência, ainda bem que os governadores tiveram a sensibilidade de perceber o tamanho do absurdo e logo rechaçaram ideia mais do que estapafúrdia, demonstrando total descabimento em aceitar chantagem que nem nas republiquetas seria implementada.
É indiscutível que a ideia tem tudo de hediondo, justamente por haver nesse vil procedimento submissão às práticas supercondenáveis, por envolver o inescrupuloso “toma lá, dá cá”, muito usado nos governos incompetentes e incapazes de conduzir, em nível de seriedade, as negociações políticas à luz da claridade solar e sob a égide dos princípios republicano e democrático, como fazem normalmente os governos capazes, civilizados, competentes e responsáveis.
Embora a reforma da Previdência seja medida que realmente precisa ser implementada, como forma que poderá não somente minimizar os rombos crônicos dos orçamentos públicos, mas também melhorar a credibilidade de governo desastrado, trapalhão e incompetente, à vista das declarações estapafúrdias de seus ministros, demonstrando que não tem a mínima condição para ser o interlocutor entre o governo e o Parlamento, quando abriu a boca e, por pouco, não inviabilizou de vez a aprovação da reforma em apreço, que nem a base governista se dispõe a apoiá-la, falta muito de competência para o governo mostrar à sociedade os gargalos que estão causando os estragos nas contas e a real necessidade de medidas capazes de ajustar algumas situações que estão contribuindo para aumentar os maiores déficits nas contas da Previdência.
Convém que o governo se conscientize de que a coisa pública precisa ser administrada com os devidos zelo, seriedade, competência e responsabilidade e, para tanto, é da sua incumbência designar pessoas altamente qualificadas, tanto em termos técnico-especializados, como politicamente, para tratar de assunto de suma importância, de modo que elas tenham condições de conduzir as negociações para a aprovação da reforma da Previdência em alto nível, levando-se em conta exclusivamente a premência de se corrigir possíveis distorções entre o sistema previdenciário atual e o pretendido, como forma de satisfação ao interesse público, sob a ótica da otimização racional da arrecadação, em contrapartida aos encargos e gastos pertinentes. Acorda, Brasil!
ANTONIO ADALMIR FERNANDES

Brasília, em 29 de dezembro de 2017

Nenhum comentário:

Postar um comentário