segunda-feira, 4 de dezembro de 2017

Perde o mandato quem...

Uma senadora pelo PMDB-MS apresentou Proposta de Emenda à Constituição (PEC) visando evitar que ministro licenciado do mandato parlamentar retorne ao Congresso Nacional exclusivamente para votar projetos de interesse dele ou do governo.
A proposta estabelece que, ao ser exonerado da função no Poder Executivo e retornar ao Congresso, o parlamentar ficará obrigado a exercer o mandato legislativo por, pelo menos, 120 dias.
A medida tem o objetivo de evitar que políticos sejam exonerados por um dia apenas para voltar ao Congresso e participar de alguma votação específica, sendo que, em muitos casos, o governo consegue os votos suficientes para a aprovação de seus projetos.
A autora justifica a medida, dizendo que "O objetivo da proposta é moralizar, impedir a ingerência entre os Poderes e impedir que eles (ministros) venham simplesmente para votar matérias polêmicas, de interesse do Executivo e depois retornem (aos cargos).".
Fato mais emblemático aconteceu recentemente, quando o presidente do país exonerou nove ministros licenciados do mandato de deputado federal, para eles votarem contra a denúncia oferecida pela Procuradoria Geral da República, envolvendo o mandatário brasileiro, sob a suspeita da prática dos crimes de organização criminosa e obstrução à Justiça.
Em igual medida, dois meses antes, o mandatário do país havia usado expediente semelhante, tendo exonerado dez ministros, com a finalidade de votar contra denúncia também o envolvendo, pela suspeita da prática do crime de corrupção passiva.
Observa-se que, em ambos os casos, os deputados reassumiram os respectivos cargos de ministros após a votação favorável à permanência do presidente no cargo, uma vez que as denúncias foram rejeitadas.
A senadora disse que essa prática é corriqueira, tendo citado outros casos, nestes termos: "Mas isso também aconteceu em anos passados, onde parlamentares vieram para votações polêmicas, em que o governo precisava de votos, ou no final do ano, para colocar as suas emendas no Orçamento para atender a seus municípios".
A norma que trata da assunção de cargo no Poder Executivo, por parlamentar, consta do artigo 56 da Constituição Federal, que prevê: “Não perderá o mandato o Deputado ou Senador: I – investido no cargo de Ministro de Estado, (...), Secretário de Estado, do Distrito Federal, (...), de Prefeitura de capital ou chefe de missão diplomática temporária;”.
Na justificativa do projeto, a senadora mencionou o exemplo dos Estados Unidos da América, onde o parlamentar é proibido de continuar com o mandato se ocupar cargo no governo federal, ou seja, ele é obrigado a renunciar ao mandato, para ocupar cargo no Executivo.
Ela disse que "Para tomar posse como ministro ou secretário, o parlamentar deve, no presidencialismo dos Estados Unidos, renunciar ao mandato".
À toda evidência, como as normas legais e constitucionais brasileiras são discutidas e aprovadas pelos deputados e senadores, dificilmente projeto que interfira ou afete o interesse deles será analisado com a necessária imparcialidade e jamais será aprovado, à vista do poderoso e ativo corporativismo que impera em benefício da classe política, que não aceita ser prejudicada nos seus interesses.
Somente nas republiquetas, que desprezam, sem assombro, os princípios jurídicos, políticos e democráticos, o homem público é eleito, torna-se representante do povo, com base em programa de trabalho sobre o qual ele promete defender, com ardor, depois de eleito, a exemplo da melhoria da segurança pública, e tem votação maciça para criar projetos e batalhar na aprovação das matérias pertinentes à sua plataforma no Parlamento, mas termina abandonando seus projetos para exercer cargo no Executivo.
Diante das alianças e coalizões espúrias, o mencionado homem público, já eleito e lídimo representante do povo, é nomeado titular de algum ministério que nem tem correlação com o objeto do seu projeto na vida pública, fazendo com que a sua promessa aos eleitores vá para o espaço sideral.
O pior e mais ridículo de tudo isso é que ele sequer se digna a prestar satisfação ou justificativa ao seu fiel eleitorado, que fica a ver navios, porque o seu representante, que prometeu lutar por causa justa e de grande interesse da população, cede seu lugar para o suplente, que pode ter chegado a essa condição apenas prometendo batalhar por algo diferente, de somenos importância, que não atende ao interesse dos eleitores que elegeram o parlamentar sem caráter, que apenas visou satisfazer seus interesses, fazendo uso dos valiosos votos por ele, enfim, desprezados.
Caso a senadora pretenda realmente corrigir algo que está errado, ela precisa apresentar proposta apropriada, com a devida competência para dizer claramente que é preciso acabar com a inaceitável forma promíscua existente entre os Poderes Legislativo e Executivo, de se nomear parlamentares para ministérios exclusivamente para a satisfação de alianças sabidamente espúrias, circunstanciais, interesseiras e de conveniência, com a finalidade da compra do apoio político no Congresso.  
Diante do exposto, com as vênias de estilo, pode-se intuir que o projeto da senadora mato-grossense do Sul não passa de mero paliativo, por não atender ao exato desejo de moralização do Parlamento, nesse particular, porque a única maneira de se pôr fim à promiscuidade no caso em discussão é a aprovação de regra clara, objetiva e inflexível, com o teor de que perde o mandato, concomitante à nomeação, o parlamentar (senador, deputado federal, deputado estadual, deputado distrital ou vereador) que assumir cargo no Executivo, ante a sua incompatibilidade com as funções para as quais tenha sido eleito, ou apenas se dizer, na regra constitucional, que perde o mandato quem deixar de exercer as funções para as quais tenha sido eleito. Acorda, Brasil!
ANTONIO ADALMIR FERNANDES

Brasília, em 4 de dezembro de 2017

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