sexta-feira, 15 de dezembro de 2017

Quem é realmente do mal?

O maior político brasileiro disse, quando se reunia com artistas e intelectuais, no Rio de Janeiro, que o juiz responsável pela Operação Lava-Jato "é do mal".
Cerca de cem pessoas participaram do encontro, entre cineastas, atores, filósofos, comunicadores, diplomatas e outros ferrenhos idólatras dele, que o aplaudiram.
O político disse que chegou a acreditar que, pelo refinamento intelectual que o cargo exige, os agentes da Lava-Jato não dariam prosseguimento ao processo contra ele.
Ele disse também que esperava que, ao receber a denúncia contra ele, o juiz recomendasse que os procuradores fossem estudar, ou que, aberto o processo, fosse absolvido: "Mas não. O cara é do mal".
O ex-presidente já havia afirmado anteriormente que achava que o magistrado de Curitiba "é surdo" e que não ouve o que ele fala.
Como se sabe, o ex-presidente foi condenado pelo juiz de Curitiba a nove anos e seis meses de prisão, pelos crimes de corrupção passiva e lavagem de dinheiro, no caso do tríplex de Guarujá (SP), cuja apelação pende de julgamento pelo Tribunal Regional Federal da 4ª Região.
Caso a segunda instância confirme a sentença do juiz da Lava-Jato, o político não poderá se candidatar, por implicação com a Lei da Ficha Limpa, que proíbe que condenado por Tribunal colegiado fica impedido de participar de pleitos eleitorais.
Há de se verificar que, à luz dos princípios fundamentais da República, não faz sentido que homens públicos implicados com a Justiça, respondendo a vários processos na qualidade de réu, quando as denúncias já foram aceitas formalmente para o fim de julgamento, o que vale dizer que há provas materiais robustas nos autos que formam a convicção para o prosseguimento das ações.
 Não há a menor justifica, sob o prisma do bom senso e da razoabilidade, para a insistência de se pensar em candidatura, eis que as denúncias em si são fatores mais do que suficientes para o convencimento de que as suspeitas da prática de atos irregulares são incompatíveis com o exercício de cargo público eletivo, notadamente no que diz respeito ao de presidente do país, que precisa ser ocupado por estadista revestido de pureza de caráter, idoneidade e conduta moral acima de quaisquer suspeitas.
Não faz o menor sentido se qualificar o juiz da Lava-Jato de pessoa do mal, talvez somente porque ele tenha condenado à prisão o homem que se considera iluminado e de pureza transbordada de imacularidade, considerando que a sentença dele teve por base os elementos constantes dos autos e sua convicção de que os fatos são bastante suficientes, à luz dos fundamentos jurídicos a induzi-lo a tal entendimento.
É preciso se entender que nenhum juiz gostaria de ser considerado insensato é incapaz de condenar o réu sem que não houvesse a materialização do crime patenteada nos autos, de modo a satisfazerem as exigências constitucionais e legais, quanto ao comparecimento no processo dos elementos essenciais sobre a culpabilidade do condenado, sob pena de o magistrado incorrer no crime de peculato e ser punido por sua incompetência funcional.
       
Na verdade, o que salta aos olhos é a imaginação de alguém se pensar que o juiz que vem combatendo a corrupção e a impunidade, com ardor cívico, competência profissional e acurado saber jurídico, possa ser considerado pessoa do "do mal" somente pelo fato de não ter compreendido os apelos de político que não conseguiu, moto próprio, comprovar a sua inculpabilidade nos fatos cuja autoria é atribuída a ele, na forma de testemunhas, planilhas, delações e outros elementos juridicamente válidos, em que pese o objeto do crime, o tríplex, não esteja registrado no seu nome, fato este que, em si, não tem o condão de descaracterizar a materialidade dos ilícitos apurados nos autos, cujas investigações apontam na direção do político como o principal beneficiário final dos gastos realizados no questionado imóvel.
Chega a ser assustador que pessoa envolvida em várias denúncias sobre possível prática de atos irregulares possa considerar o juiz que o condenou à prisão como sendo “do mal”, por não ter tido a percepção, a consciência de que ele seja "do bem", embora os fatos constantes dos autos digam realmente quem ele realmente é, porque nenhum juiz, por mais medíocre que possa transparecer, seria incapaz, ingênuo e inexperiente, para julgar e sentenciar se não tivesse plena convicção sobre a materialidade da prova do crime a que se referem os fatos e ainda mais sendo o réu um ex-presidente do país.
Os brasileiros, a par desse argumento de que o juiz da Operação Lava-Jato é “do mal”, que vem dando expressivos exemplos de resultados destinados à construção somente do bem, conforme mostram os fatos, ficam cada vez mais impressionados com a falta de imaginação por parte de quem perde oportunidade de mostrar condição de se defender sobre as denúncias recebidas na Justiça, por meio de argumentos construtivos e não fazendo uso de artifícios deselegantes e destrutivos, que não condizem com o alto nível que precisa ser mantido entre as partes envolvidas.
Por seu turno, ao imaginar que o juiz deveria recomendar que os procuradores fossem estudar, o político os classifica de burros e ignorantes, possivelmente por entender que eles não têm o discernimento suficiente para captar a sua inocência, que nem ele foi capaz de prová-la, por meio da contestação dos fatos objeto da denúncia, que foi transformada em condenação à prisão, pelo juiz da Lava-Jato.
Compete ao acusado provar a sua inocência sobre os fatos denunciados, exclusivamente por meio de elementos plausíveis e consistentes, na forma indicada na legislação aplicável à espécie, ao invés de ficar fazendo acusação absolutamente fora de contexto e alheia aos fatos circunstanciados à denúncia.
          Certamente nem nas republiquetas os réus e condenados possam ter atrevimento de classificar agentes públicos de pessoas do mal e despreparadas para investigar fatos denunciados e julgas as ações pertinentes, porque isso não é permitido na legislação aplicável à espécie.
Isso apenas pode demonstrar extrema inexperiência com relação ao tratamento que precisa ser dispensado à causa, de forma adequada, precisa e responsável, sem que o juiz e a sua equipe mereçam infundada acusação de culpa por algo que é do exclusivo interesse da parte denunciada, que precisa se conscientizar de que lhe compete, para o seu bem, esclarecer à sociedade, em forma de prestação de contas, os fatos questionados, de maneira minudente e de modo que isso fique sob a sua exclusiva responsabilidade e muito menos do magistrado condutor do julgamento. Acorda, Brasil!
ANTONIO ADALMIR FERNANDES

Brasília, em 15 de dezembro de 2017

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