sexta-feira, 29 de dezembro de 2017

Generosidade palaciana

Alegando violação de vários princípios da Constituição Federal, a procuradora-geral da República conseguiu que o Supremo Tribunal Federal anulasse trechos do decreto de indulto assinado pelo presidente da República.
Em ação direta de inconstitucionalidade (ADIn), a procuradora-geral afirmou que o aludido decreto coloca em risco a Operação Lava-Jato, “materializa o comportamento de que o crime compensa” e “extrapolou os limites da política criminal a que se destina para favorecer, claramente, a impunidade”. “A Lava Jato está colocada em risco, assim como todo o sistema de responsabilização criminal”.
          O referido indulto consiste em se conceder perdão de pena e costuma ser concedido todos os anos próximo ao Natal, pelo presidente do país.
No do ano passado, foram beneficiadas pessoas condenadas a no máximo 12 anos e que tivessem cumprido um quarto da pena, desde que não fossem reincidentes, mas, no indulto deste ano, não foi estabelecido período máximo de condenação e o tempo de cumprimento da pena foi reduzido de um quarto para um quinto, no caso dos não reincidentes.
A procuradora-geral sustenta que o decreto de indulto – apesar de ser prerrogativa presidencial -, da forma como foi publicado, invade a competência do Congresso Nacional de legislar sobre o direito penal e esvazia a função do Poder Judiciário.
A procuradora sublinha que a determinação “sem razão específica” ampliou os benefícios desproporcionalmente e “criou um cenário de impunidade no País: reduziu o tempo de cumprimento de pena que ignora a pena aplicada; extinguiu as multas aplicadas; extinguiu o dever de reparar o dano; extinguiu penas restritivas de direito, sem razões humanitárias que justifiquem tais medidas e tamanha extinção da punibilidade”.
Ela ressalta que o decreto veio no contexto do avanço da Operação Lava-Jato: “após a punição dos infratores, corruptos e corruptores, por sentença criminal”.
A procuradora também fez crítica à redução do tempo mínimo de um quarto para um quinto da pena – no caso de presos não reincidentes nos crimes sem violação, como os de corrupção –, tendo citado, como exemplo, que uma pessoa condenada a oito anos e um mês de prisão sequer ficaria presa por um ano.
Ela disse que se extrai da determinação, classificada “como ‘indulto mais generoso’, em uma escala ascendente de generosidade que marca os decretos de indulto nas duas últimas décadas – é que será causa única e precípua de impunidade de crimes graves, como aqueles apurados no âmbito da Operação Lava Jato e de outras operações contra a corrupção sistêmica”.
A procuradora lembra que o decreto ignorou solicitação da força-tarefa e recomendação das câmaras criminais do MPF, pedindo que os condenados por crimes contra a administração pública, a exemplo da corrupção, não fossem objeto de inclusão no decreto de indulto.
A procuradora-geral enfatizou que presidentes da República não têm poder ilimitado de conceder indulto, porque, “Na República, nenhum poder é ilimitado. Se o tivesse, aniquilaria as condenações criminais, subordinaria o Poder Judiciário, restabeleceria o arbítrio e extinguiria os mais basilares princípios que constituem a República constitucional brasileira.”
O decreto de indulto também foi criticado por procuradores e representantes da Lava-Jato, bem assim por autoridades do Poder Judiciário, salvo por parlamentares, certamente por haver interesse que ele se mantivesse em pleno vigor, ante a possibilidade do seu efeito sobre muitos casos de congressistas que são investigados por aquela operação.
Ainda bem que o Supremo decretou a suspensão de vários dispositivos do questionado indulto, que teria sido feito sob medida, para beneficiar, ao que tudo indica, apaniguados do presidente do país e de aliados dele, em clara demonstração da falta de zelo para com a coisa pública, considerando que termos do decreto não se harmonizavam com os princípios republicano e democrático, eis que havia nele deliberados dispositivos destinados à extinção de normas basilares insculpidas na Constituição, extrapolando em muito o seu poder meramente regulamentador, que não pode desprezar os princípios fundamentais da República.
Nos países de governos sérios, competentes, civilizados, responsáveis e evoluídos, em termos políticos e democráticos, os crimes, não importando a sua origem, são combatidos e punidos com severidade, para mostrar aos delinquentes, inclusive de colarinho branco, que eles não compensam, porquanto os infratores precisam pagar por seus pecados.
Ao contrário disso, nas republiquetas de governos de índole desmoralizada e corrupta, são aprovados decretos concedendo indultos da forma mais generosa e benevolente possíveis justamente em benefício de infratores, em cristalina demonstração de cumplicidade e incentivo aos crimes, exatamente pela brandura como o indulto é aprovado, ao se permitir que o condenado fique o mínimo de tempo na prisão, quando fica, dando a entender que ele praticamente teria sido injustiçado e precisa ganhar a liberdade o quanto antes possível.
É curioso se observar que o presidente da República, que editou o questionado decreto, poderá, quando sair do governo, ser um dos beneficiários do malsinado indulto, eis que ele é potencial condenável, por ter sido denunciado, entre a prática de outros crimes, como chefe de organização criminosa, ou seja, da quadrilha do seu partido, o PMDB.
Não há a menor dúvida de que o Supremo precisa pôr ordem na seara jurídica, a exemplo do ato discricionário e arbitrário do indulto de Natal, como forma de se dizer ao presidente do país que o decreto assinado por ele, versando sobre bondades a criminosos, representa ato indevido e abusivo, por extrapolar o seu poder regulamentador em matéria penal, que é própria do Poder Legislativo, a quem incumbe estabelecer os limites passíveis do indulto natalino, que não pode ser confundido com generosidade presidencial e muito menos condescendência com a impunidade. Acorda, Brasil!
ANTONIO ADALMIR FERNANDES

Brasília, em 29 de dezembro de 2017

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