segunda-feira, 3 de abril de 2023

A defesa papal

 

Conforme notícia publicada no dia 1º último, o papa defendeu o presidente do Brasil e a ex-presidente brasileira, durante entrevista concedida a um canal de televisão da Argentina.

Na entrevista, o papa criticou, com severidade, a condenação do político e disse que a ex-presidente é "uma mulher de mãos limpas".

As afirmações foram feitas quando o papa fez menção ao "lawfare", que é conceito do direito que se refere ao uso de sistema legal e das leis para fins políticos destinados à perseguição pessoal, na interpretação do pontífice, que afirmou que o político teria sido “vítima” desse procedimento.

O papa afirmou, literalmente: "Deve-se impedir que determinada pessoa chegue a um cargo. Então, o pessoal o desqualifica e metem a suspeita de um crime. Então, faz-se todo um sumário, um sumário enorme, onde não se encontra (a prova), mas para condenar basta o tamanho desse sumário. Onde está o crime aqui? Mas, sim, parece que sim. Assim condenaram Lula".

Segundo o entendimento do papa, o lawfare começa com quem abre caminho, no caso, “os meios de comunicação”, que “desqualificam e colocam sobre essa pessoa um suspeito de delito. Então se faz todo o sumário, que são esses sumários gigantescos onde não se encontram (o delito), mas o volume do sumário. Onde está o delito aqui? Bom, sim, parece que sim. Assim que Lula foi condenado.”.

O papa sugere que o político brasileiro foi condenado sem provas, apenas com base em indícios, em referência a uma Justiça que “não é justa”.

Após o entrevistador ter afirmado que a ex-presidente brasileira foi cassada, em 2016, por "ato administrativo menor", o papa disse que ela é "uma mulher de mãos limpas, uma mulher excelente".

Quando o entrevistador afirmou que "inocentes são condenados", o papa acrescentou que "no Brasil, isso aconteceu nos dois casos", referindo-se aos dois políticos mencionados, tendo concluído que "os políticos têm a missão de desmascarar uma Justiça que não é justa".

Em primeiro lugar, é preciso se dizer que heresia é doutrina contrária ao que foi definido pela igreja, em termos da fé e da verdade, constituindo absurdo interpretativo como contrassenso da realidade comprovada pelos fatos investigados e coligidos.

A bem da verdade, as condenações à prisão do político brasileiro tiveram por base denúncias à Justiça sobre a prática de atos suspeitos de irregulares, que foram devidamente apurados pela Polícia Federal, que teve o cuidado de levantar os elementos e as provas relacionadas com os pagamentos de propina a ele, a exemplo de planilha de pagamentos, extratos bancários, delação premiada, depoimentos, e-mails, ligações telefônicas, demonstrativos bancários e contáveis e demais documentos legalmente válidos.

Ou seja, as sentenças da Justiça brasileira se ativeram à estrita observância do devido processo legal, com o cumprimento rigoroso dos princípios constitucionais da ampla defesa e do contraditório, onde o acusado teve oportunidade para comprovar a sua inocência, por meio da contestação da prova material devidamente comprovada sobre os delitos praticados, cuja autoria foi atribuída a ele, que não conseguiu demovê-la dos autos, tanto que ele foi condenado justamente.

Em todos os processos referentes aos julgamentos não houve a constatação de qualquer falha por parte da Justiça, evidentemente com relação aos procedimentos de praxe, em que o juiz que os presidiu não teve qualquer suspeição sobre desídia ou parcialidade, nos casos julgados, visto que ele poderia ter sido devidamente punido, na forma da Lei da Magistratura, se ele tivesse cometido qualquer ato referente ao desvio de conduta funcional, como censura, na forma de advertência, prisão e até a perda do cargo, conforme a gravidade da sua falha, mas nenhum ato irregular foi constatado quanto à sua lisura funcional, não havendo, por consequência, nenhuma punição.

A Justiça brasileira se houve com absoluta correção e imparcialidade, nos julgamentos condenatórios à prisão do político, em razão dos crimes de corrupção passiva e lavagem de dinheiro atribuídos à autoria dele, tanto que as revisões judiciais sobre as sentenças pertinentes, na forma legal, mereceram o mesmo veredicto prolatado pelo juízo inicial, em que três desembargadores do Tribunal Regional Federal, da 4ª Região, e cinco ministros do Tribunal Superior de Justiça se manifestaram, à unanimidade, fato este que merece o devido respeito, por conta das autoridades de servidores da maior relevância da Justiça brasileira, cuja trabalho merece só merece acatamento e respeito, sob pena do total desmerecimento de seus atos de magistrados de escol.

Diante disso, a ilação mínima que resta é a conclusão inequívoca de que não há qualquer dúvida sobre as condenações absolutamente com base nas provas constantes dos autos, sendo da maior infelicidade e injustiça alguém imaginar que houve condenação somente com base em indícios, quando os fatos irregulares atribuído à autoria do político, que contava na sua defesa com dezenas de bons e experientes advogados, não foram infirmados por ele, exatamente porque as provas constantes dos autos eram robustas e consistentes, não cabendo a menor e ingênua dúvida sobre a existência dos atos ilícitos, quando, ao contrário, os magistrados envolvidos teriam sido penalizados por decretação de sentenças sem as devidas provas e nada disso aconteceu e só se confirma a absoluta certeza da monstruosidade dos desvios de recursos públicos.

Pode-se dizer que as condenações foram anuladas, o que é verdade, mas o ato motivador da medida aplicada se baseia em fragilidade de argumento de que a jurisdição onde as sentenças condenatórias foram proferidas não tinha competência para julgar o político, cujo mérito referente aos atos delituosos propriamente não foi julgado, o que vale se afirmar que as causas principais vinculadas originariamente às condenações do político permaneceram absolutamente intocáveis, com plena validade.

Essa assertiva é tanto verdadeira que os processos pertinentes às denúncias sobre a prática de atos irregulares foram enviados para a Justiça Federal de Brasília, para o fim de novos julgamentos, a começar da origem sobre as investigações, o que bem demonstra a falta de consciência jurídica da principal corte de Justiça, que precisa, ao contrário, dar bons exemplos de dignidade e competência institucional, ao contrário de decidir em benefício de criminoso de colarinho branco, sem qualquer respaldo jurídico e muito constitucional.          

Quanto ao julgamento da ex-presidente do país, é preciso ficar bastante claro que não se trata, em absoluto, de condenação por “ato administrativo menor”, porque ela foi julgada pelo Congresso Nacional brasileiro, com o respaldo do Supremo Tribunal Federal, tendo por base processo devidamente legal de impeachment, sob a tutela da Câmara dos Deputados e do Senado Federal, com base nos argumentos essenciais de que ela teria praticado o crime de responsabilidade, previsto na Constituição Federal, por ter ordenado a realização de despesas proibidas por lei, no sentido de que os bancos oficiais estavam fazendo as vezes do Tesouro, realizando pagamentos de obrigações previdenciárias e outras, de competência do Estado, com recursos próprios, porque o governo não os tinha para suportar as despesas e os bancos eram obrigados a socorrê-lo, cujos compromissos eram ressarcidos a posteriore.

Ou seja, não adianta se tratar de "uma mulher de mãos limpas, uma mulher excelente", quando, na gestão pública o que importa é a lisura dos atos praticados pelo agente, o que, na verdade, não teria acontecido por essa política, que foi acusada, com as devidas correção e justiça, de ter praticado as chamadas "pedaladas fiscais", manobras consideradas ilegais usadas para aliviar, momentaneamente, as contas públicas, que até mesmo a maior autoridade da igreja considera normal, quando os princípios e as normas constitucionais exigem o cumprimento das regras estabelecidas.

Quanto à opinião do papa, fica muito claro, à toda evidência, que Sua Santidade perdeu excelente oportunidade para ter ficado calado, prostrado diante de Deus, em cumprimento à sua nobre missão de principal pastor das ovelhas de Jesus Cristo, em precisa harmonia com a doutrina da igreja que ele preside, porque não fica bem para a sua autoridade se imiscuir em assuntos que não estejam na sua seara de atuação, quanto mais em se tratando de defender a prática de crimes, em cristalina demonstração de que ele desconhece completamente os meandros dos processos pelos quais foram proferidas as sentenças judiciais condenatórias, cuja manifestação tem o condão de estimular a reincidências de atos delituosos e isso não condiz com a autoridade dele.

Além de defender, de maneira absolutamente desarrazoada criminoso que não teve capacidade para evidenciar a sua inocência junto aos Tribunais, tanto isso é verdade que ele foi condenado mais de uma vez, não tem o menor cabimento a maior autoridade da Igreja Católica criticar aberta e levianamente a Justiça brasileira, ao afirmar que "inocentes são condenados" e "no Brasil, isso aconteceu nos dois casos", o que não é verdade e isso só compromete e enfraquece a autoridade papal, que precisa defender a sua integridade da igreja, para merecer respeito pelo seu trabalho pastoral.

Agora, parece completamente inadmissível, por não ser de bom tom, é o papa ainda incitar, sem a menor razão ou fundamento jurídico, que "os políticos têm a missão de desmascarar uma Justiça que não é justa", quando, no caso específico, não existe o menor parâmetro para interpretação tão exagerada e precipitada, de modo que isso somente contribui para comprometer o respeito da opinião papal, posto que é indevido ele afirmar que a Justiça brasileira é injusta, tendo por base situação que ele demonstra absoluto desconhecimento de causa, se pronunciando certamente com base em informações incompletas, imprecisas, falsas e enganosas, visivelmente com intenções tendenciosas quanto à tentativa de mostrar, ao que parece, que o político é vítima do sistema judicial brasileiro, quando ficaria melhor para ele se inteirar primeiro sobre os fatos verdadeiros, para depois de manifestar com absoluta segurança.

Enfim, ao que tudo indica, o santo padre precisa ser informado, com urgência, de que não é verdade que os meios de comunicações, no caso do político, “desqualificam e colocam sobre essa pessoa um suspeito de delito.”, porque os fatos pelos quais se basearam as sentenças condenatórias à prisão dele têm a marca indelével do delito, à vista das insuspeitas investigações realizadas pela Polícia Federal e dos julgamentos imparciais e justos da incumbência da Justiça brasileira.

Agora, não tem o menor fundamento são as declarações extremamente descabidas e desnecessárias de quem não tem competência nem deveria se imiscuir onde a sua autoridade têm e precisa se limitar apenas às causas da Igreja Católica, uma vez que a sua conduta, nesse caso, demonstra extremo desrespeito ao mais sagrado compromisso com a fé religiosa e a verdade, sabendo que é gravíssimo pecado capital quanto são feitas afirmações que não correspondem à verdade dos fatos.  

Brasília, em 3 de abril de 2023

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