domingo, 10 de julho de 2022

O "jeitinho" brasileiro?

 

Em mensagem que circula nas redes sociais, contém os seguintes dizeres: “O brasil quer que as Forças Armadas fiscalizem as urnas e a apuração das eleições. Se você estiver de acordo, compartilhe!”.

Em absoluto, não pode ser verdade que o Brasil queira que as Forças Armadas fiscalizem as urnas e acompanhem a apuração das eleições, porque inexiste amparo legal para possibilitar operações dessa natureza, à vista do que dispõem os arts. 118 e 142 da Constituição, que definem, com muita clareza, as atribuições específicas do Tribunal Superior Eleitoral e das Forças Armadas, respectivamente.

No caso dos militares, eles somente podem defender a pátria e garantir os poderes constituídos, o que vale dizer que, na forma legal, eles são absolutamente incompetentes para o desempenho das supracitadas atribuições, no âmbito do sistema eleitoral brasileiro, que somente pode ser aperfeiçoado pela Justiça especializada, por mais competentes que sejam peritos com ultraconhecimentos de informática e tecnologias avançadas.

Qualquer outra atribuição fora daquelas acima elencadas depende de autorização constitucional, em que pese elas sinalizarem o anseio da sociedade, em especial daquela que desconhece a competência primacial dos militares e também da Justiça eleitoral, que têm atribuições autônomas e específicas, cada qual as mais relevantes para o interesse do país.

Caso esse fosse realmente o propósito do governo, que insiste na indevida intromissão dos militares nos trabalhos da Justiça eleitoral, que detém a exclusividade no aperfeiçoamento do sistema eleitoral, seria necessária a devida alteração constitucional para a inclusão de atribuição de assuntos na área eleitoral, para o fim de se permitir que as Forças Armadas trabalhem em conjunto com aquele órgão, que dificilmente aceitaria o compartilhamento das suas atribuições, sem a devida formalização constitucional.

Infelizmente, a incompetência administrativa impossibilita o aperfeiçoamento de tão importante sistema político-eleitoral, como forma de se assegurar a regularidade do resultado das urnas, em termos de confiabilidade e segurança dos votos.

A forma pueril e atabalhoada como a questão vem sendo conduzida só demonstra desorganização e falta de precisa informação à sociedade sobre o processo eleitoral brasileiro, ficando muito claro que é possível sim, na forma da sugestão em apreço, se resolver, neste exato momento, as questões pendentes somente na base do grito, na marra, na maneira do costumeiro “jeitinho” brasileiro, mas isso certamente violaria o estado democrático de direito.

O caminho normal, nesses casos, é pela regularização dos procedimentos, sob a imperiosa regência das regras jurídicas como norte democrático, exatamente como procedem os países evoluídos, em termos político-democráticos.

Não se pode alegar, a propósito, como vem fazendo alguns militares, que peritos das Forças Armadas têm know-how, na área da tecnologia da informática, para cuidar também de assuntos eleitorais, quando seus conhecimentos estão vinculados diretamente às questões de interesse da defesa nacional e das demais situações a ela vinculadas, na forma das suas atribuições constitucionais, do mesmo modo que estão os técnicos do TSE, no que se refere à sua relevante missão institucional.    

Por último, convém se atentar para o fato de que qualquer delegação especial às Forças Armadas, ao arrepio do devido amparo legal, vale dizer fora dos limites da Constituição, pode implicar imputação de sanções, na forma de caracterização de crime de responsabilidade, ao presidente da República, que é o comandante-em-chefe dessas instituições militares, caso fique provado que ele tenha autorizado cumprimento de missão estranha ao dever constitucional, que, no caso, estaria com forte ligação ao interesse pessoal do mandatário, que é pré-candidato à reeleição.

Diante disso, urge que as autoridades da República se conscientizem sobre a importância de se conduzir as questões visando ao aprimoramento do sistema eleitoral com a maior cautela possível, na forma da melhor competência possível, de modo que seja respeitada a legislação de regência, uma vez que a violação das regras constitucionais pode ferir o ordenamento jurídico pátrio.

Brasília, em 10 de julho de 2022

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