sexta-feira, 1 de julho de 2022

O sentido do indulto

 

Um famoso jurista discorre sobre a competência do presidente da República de conceder indulto, na tentativa de mostrar para ministros do Supremo Tribunal Federal que eles chegaram a ordenar, em decisão, ao chefe do Executivo o refazimento de ato versando sobre a concessão de graça política, evidentemente por discordar da maneira como ela foi adotada.

Compreende-se, em tese, que a ponderada opinião desse notável jurista é irretocável, notadamente diante da configuração de apenas casos impessoais com que o indulto deva ser concedido, passando a ser maculado o ato quando ele envolve situação de amizade ou de aproximação política com o presidente do país, que foi exatamente o que aconteceu, na prática.

O ato praticado pelo presidente da República, para indultar um parlamentar, é de insensatez infantilmente franciscana, a ferir de  morte o comezinho princípio da impessoalidade, quando o beneficiado é declarado amigo e aliado político dele, ficando escancarada a nítida intenção de pô-lo a salvo das garras da Justiça, em ato que patenteia a ausência do interesse público, a justificar o ato administrativo.

Além disso, o presidente do país disse que seu ato tinha também por finalidade dar lição aos ministros do Supremo, fato este que somente deve acontecer nas piores republiquetas.

Ou seja, diante da falta de experiência político-administrativa, seja  possível que mandatários possam se passar por doutrinadores sobre assuntos jurídicos, para tentarem dar lições às cortes de Justiça sobre a melhor maneira de decidir, quanto mais ainda em aproveitamento de medida que tem por finalidade a presunção de gesto essencialmente humanitário, que é o caso do indulto concedido a parlamentar, que, no caso, não existe nada de humanismo.

Na verdade, tudo isso tem o nome de verdadeiro horror no âmbito administrativo, porque houve o aproveitamento de procedimento que se destina à reparação de possível injustiça, por meio de instrumento constitucional, para a causa realmente do bem, para beneficiar político que se envolveu em querelas judiciais absolutamente evitáveis, caso ele tivesse sensibilidade política e quisesse conduzir o assunto de que se trata de maneira ordeira, equilibrada e respeitosa, em consonância com o ordenamento jurídico do país.

Ou seja, a graça que foi concedida a um deputado refoge completamente do sentimento humanitário e da estrita competência do Estado, por envolver situação visivelmente ligada à seara do Judiciário e do Legislativo, onde haveria possibilidade de recursos, em forma de ampla defesa e contraditório, próprios para situações ainda em fase de interpretações sobre a demanda judicial.

Diante dessas colocações, fica evidenciado o despreparo do presidente do país para tentar se imiscuir em assuntos que em nada contribui para o engrandecimento do seu desempenho no cargo, quando ele precisa se preocupar exclusivamente com os assuntos inerentes à sua incumbência constitucional, com aderência somente aos temas relacionados com o interesse público.

Nesse caso específico, fica muito claro que o presidente do país perdeu excelente oportunidade para ficar distanciado de imbróglio que precisa ser resolvido exclusivamente pelas partes envolvidas, ante a falta de seu vínculo com o interesse do Estado, ou seja, nada diz respeito ao interesse social, a legitimar a ação efetivada.

Urge que o presidente da República se conscientize de que é preciso priorizar a resolução das questões que dizem respeito exclusivamente às incumbências institucionais do Estado, em harmonia com à cátedra do trono presidencial, sem se preocupar com casos paroquianos, como é o exemplo em comento, que somente conspira contra o desempenho do governo.

Brasília, em 1º de julho de 2022

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