quarta-feira, 18 de outubro de 2023

Violação constitucional?

 

O ministro decano da corte maior do país, ao participar de painel do Fórum Internacional Esfera, em Paris, França, em defesa da atuação do órgão que ele integra, disse que a eleição do presidente do país, no último pleito eleitoral se deveu a uma decisão daquela corte.

O magistrado foi bastante enfático, ao afirmar, ipsis litteris: “Se hoje nós temos a eleição do presidente Lula, isso se deveu a uma decisão do Supremo Tribunal Federal”.

O ministro também afirmou que houve apoio de parte dos brasileiros mais ricos a ideias contrárias à democracia e à corte. 

Na ocasião, o ministro fez avaliação de críticas no sentido de que a corte extrapola suas atribuições determinadas pela Constituição, tendo afirmado que: “Contamos a história de sucesso de uma instituição que soube defender a democracia até contraimpulsos de uma parte significativa da elite. Certamente muitos aqui defenderam concepções que, se vitoriosas, levariam à derrocada do Supremo Tribunal Federal”.

O ministro também afirmou que o combate à corrupção pelo Judiciário foi desvirtuado, nestes termos: “Nós estávamos ordenando, em nome do combate à corrupção, um modelo totalitário de Estado. No final, os combatentes da corrupção se enriqueciam, com as grandes fundações”.

Logo depois, em entrevista a jornalistas, o ministro foi mais específico, tendo citado o funcionamento da Operação Lava-Jato, nestes termos: “Muitos dos personagens que hoje estão aqui, de todos os quadrantes políticos, só estão porque o Supremo enfrentou a Lava-Jato. Eles não estariam aqui. Inclusive o presidente do Supremo da República, por isso é preciso compreender o papel que o Tribunal desempenhou“.

Também, na entrevista, o ministro disse que as pessoas da elite a que se referiu “apoiavam o governo que foi derrotado nas urnas”, tendo mencionado “a ordem de coisas que estava se desenvolvendo”, sem dar detalhes.

O ministro criticou as propostas em tramitação no Senado Federal, para mudar a forma de indicação dos ministros para a corte grandona, com listas a serem feitas por diferentes entidades, tendo afirmado que isso levaria ao “loteamento” da corte.

Por fim, o ministro falou também sobre a proposta de mandatos para ministros da corte, em que uma proposta de emenda à Constituição versa sobre o tema, tendo afirmado que isso só poderia ser discutido com outras reformas amplas na atuação dos poderes da República.

Em primeiro lugar, não é de bom tom o ministro ficar criticando sobre assuntos em tramitação em outro poder, quando ele só pode se manifestar sobre nos processos que estejam sob o seu relato, porquanto isso que ele faz mostra o seu ânimo de desrespeitar a liturgia do seu cargo, que impõe submissão à ordem legal de agir, dentro e fora da corte. 

Ao afirmar, com absoluta convicção, que a corte maior do país patrocinou a volta ao poder de político totalmente envolvido em esquemas criminosos de irregularidades e corrupção, tendo por base decisão proferida por ela, o ministro confessa gravíssima violação de princípio constitucional, uma vez que, em nenhum dispositivo consta competência para decisão de tamanha envergadura.

Segundo reza o art. 102 da Constituição Federal, “Compete ao Supremo Tribunal Federal, precipuamente, a guarda da Constituição, cabendo-lhe: (...)”.

Impende notar que, entre a competência privativa dessa corte, não há única autorização para ela decidir sobre assuntos políticos da importância de colocação alguém no cargo de presidente da República e isso, tendo sido sacramentado por conta de seus ministros configura extrapolação das suas funções das suas funções e prerrogativas constitucionais, cuja decisão é nula de pleno direito, cabendo responsabilização dos ministros, ante a evidência do abuso de autoridade.

Esse entendimento deflui interpretação segundo a qual, no Estado Democrático de Direito, os poderes da República precisam respeitar os princípios  inerentes à independência e à autonomia definidos na Constituição, sob pena da caracterização do abuso de autoridade, tal e qual na forma confessada pelo ministro, de que “Se hoje nós temos a eleição do presidente Lula, isso se deveu a uma decisão do Supremo Tribunal Federal”, cujo resultado não se harmoniza, em absoluto, com o texto constitucional, uma vez que essa corte não tem competência institucional para agir com tamanho poder para decidir sobre o mais importante e precípuo destino do Brasil, na forma como foi afirmado pelo ministro, de que a corte decidiu a eleição brasileira, para presidente do país.

Como se trata de precisa declaração que tem influência direta com implicação jurídico-constitucional, por ficar clara a interferência indevida da corte maior do país em assuntos estranhos à sua competência privativa, haveria necessidade de imediata reação por parte das autoridades prejudicadas diante da atuação indevida e inconstitucional, inclusive cabendo a participação do Ministério Público Federal, em termos de questionamento, tudo em defesa do Estado Democrático de Direito, que não admite violação dos princípios constitucionais, em especial quanto ao emprego de decisão contrária à lei e à ordem institucionais inerentes aos poderes da República.

A verdade é que ninguém direta ou indiretamente afetado por essa estapafúrdia decisão suprema tenha percebido a gravidade da afirmação do ministro, quando, diferentemente, teria reagido em defesa dos princípios constitucionais em garantia da estrita observância às funções institucionais dos poderes, na compreensão de que a corte maior do país jamais poderia ter decidido além da sua competência estabelecida na Constituição, apenas na forma da disposição do artigo 102.

Na verdade, a falta da reação à altura da absurda decisão em apreço tem o condão de reafirmar a insensatez e a incompetência, em termos políticos, das pessoas que foram diretamente afetadas e até prejudicadas pelo sistema dominante, na forma de decisões questionáveis, em clara demonstração de falta de iniciativa para a defesa dos próprios interesses, que são desprezados por medidas injustas e inconstitucionais, tendo plena validade e vigência, mesmo em situação de claríssima irregularidade, muitas vezes, por visível aceitação tácita dos interessados prejudicados, que sequer esboçam reação.

Diante do exposto, impõe-se aos brasileiros de verdade, no âmbito do seu dever cívico e patriótico, declararem não aceitação da decisão estapafúrdia adotada pela maior do país, nos termos do que foi afirmado por um seus ministros, e exigir que as autoridades prejudicadas e o Ministério Público tenham a necessária dignidade para reagirem contra ato absolutamente contrário aos princípios constitucionais e democráticos, à vista da imperiosa necessidade do respeito à Constituição brasileira.       

Brasília, em 18 de outubro de 2023

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