domingo, 7 de maio de 2023

A validade de indultos

Em vídeo que circula nas redes sociais, alguém escreveu, mostrando as figuras de José Dirceu, Cesare Battisti e Daniel Silveira, indagação se “Algum jurista consegue explicar isso: indulto de José Dirceu e Cesare Battisti valeram, o indulto de Daniel Silveira não valeu?”.

Essa história tem as explicações a seguir, conforme cada caso que se apresenta bem distinto um do outro e não parece justa a generalização que se pretende dar ao desfecho de cada situação, na forma da formulação escrita acima.

Pois bem, o perdão da pena ao José Dirceu foi concedido por um ministro do Supremo Tribunal Federal, que entendeu, por interpretação teleológica, que o criminoso atenderia aos critérios estabelecidos no indulto natalino constante de decreto presidencial, tendo por base princípios previstos na Constituição, com publicação anual, sempre por ocasião dos festejos natalinos.

O aludido indulto prevê o perdão da pena para condenados que se encaixam em pré-requisitos definidos pelo Conselho Nacional de Política Criminal e Penitenciária, ou seja, é preciso que seja réu primário e tenha cumprido um quarto da punição à qual foi condenado.

O ministro relator do caso escreveu a seguinte justificativa: "Diante das informações prestadas pelo Juiz Federal Sérgio Moro, da manifestação favorável do Procurador-Geral da República e do preenchimento dos requisitos objetivos e subjetivos previstos na legislação e no decreto específico, a hipótese é de concessão de indulto. Trata-se de decisão vinculada a ser praticada por este relator, nos termos dos precedentes do Plenário, sem margem para discricionariedade ou juízos subjetivos".

No caso do italiano, não é verdade que o então presidente da República tenha concedido indulto a Cesare Battisti,  quando o certo mesmo é que o ato presidencial foi no sentido de negar a extradição solicitada pela Itália, que é prerrogativa do mandatário brasileiro.

Ou seja, não se tratou de ato de perdão ou indulto à pena do italiano, mas sim de se negar a extradição dele para o seu país de origem, conforme havia sido autorizado pelo Supremo.

Isso vale dizer que o caso do italiano difere da situação de indulto, que é a extinção da pena aplicada a condenado à prisão, enquanto a decisão presidencial brasileiro autorizou que o italiano permanecesse no Brasil, evidentemente sem necessidade de cumprir pena no seu país, onde foi condenado à prisão perpétua, por envolvimento em quatro assassinatos.

O caso de Daniel Silveira, este sim, diz com o indulto concedido pelo presidente da República, anulando, com base no art. 84, inciso XII, pena de prisão de oito anos e nove meses aplicada pelo Supremo Tribunal Federal, pelos crimes de ameaça ao Estado Democrático de Direito e coação no curso do processo.

A validade do indulto concedido a Daniel Silveira foi anulada pelo Supremo, em atendimento de pedidos formulados por alguns partidos políticos, cujos fundamentos alegados por ministros da corte são elencados a seguir.

“Desvio de finalidade na concessão, fundado em motivação política, fato ensejador da sua nulidade; afronta à separação de poderes da República, pois teve como objetivo exclusivo atacar decisão do Judiciário; atos atentatórios à democracia e ao estado democrático de direito não podem ser objeto de indulto; indulto deve ser coerente com finalidades humanitárias ou de interesse público, o que não ocorreu nesse caso; indulto não pode ser instrumento de impunidade nem mensagem a eventuais detratores da democracia de que podem continuar a praticar crimes; arrombamento da discricionariedade pelo presidente, em forma de grave arbitrariedade.”.

Esses e outros foram os argumentos principais dos ministros do Supremo, que se opuseram ao indulto presidencial, mesmo que ele tivesse por fundamento dispositivo constitucional, no caso subordinado à soberana interpretação dos ministros da corte.

Na verdade, no caso do ex-parlamentar, dificilmente o Supremo iria concordar com o indulto presidencial, sob o argumento de que a sua decisão teve caráter político e não humanitário, como deve ser a defesa da causa voltada para a proteção do interesse público, quanto mais que o indultado teria agredido violentamente a honra dos ministros que votaram pela condenação à prisão dele e por não aceitação do perdão.

A verdade é que, nesse caso, mesmo que haja recurso, a decisão do Supremo deve ser mantida in totum, uma vez que se trata da discussão de objeto que diz respeito à integridade dos próprios magistrados, que sempre vão encontrar argumentos jurídicos para o rechaço das alegações do ex-indultado.

Enfim, esses são os motivos, as justificativas e os resultados das causas questionadas na inicial, cabendo ao juízo de valor pessoal sobre a validade jurídica das medidas adotadas em cada caso, evidentemente sob o atendimento ou não aos fins colimados pela justiça dos homens.

            Brasília, em 7 de maio de 2023 

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