quinta-feira, 18 de maio de 2023

Mera operação preparatória

 

Conforme mensagem que vem circulando nas redes sociais, consta decisão, por unanimidade, adotada por uma turma do Superior Tribunal de Justiça, acolhendo a teoria “objetivo-formal,” sob o entendimento de que a prática do rompimento de cadeado e da destruição de fechadura da porta da casa da vítima, com o intuito de, mediante uso de arma de fogo, efetuar subtração patrimonial da residência, configuram meros atos preparatórios e, nessas condições, há impedimento jurídico para a condenação do criminoso, por tentativa de roubo circunstanciado.

O voto do ministro-condutor da decisão teve por base, para a sustentação do seu voto esclarecedor, os destaques de que, no crime tentado, é preciso identificar os atos executivos e os atos preparatórios; a tentativa segundo o critério objetivo-individual; a tentativa segundo o critério objetivo-formal; e que o STJ tem a importante tendência de seguir a corrente “objetivo-formal”.

A visão do relator é na linha da lição do disposto no art. 14, II, do Código Processual, no sentido de que o crime é considerado tentado quando, iniciada a execução, não se consuma por circunstâncias alheias à vontade do agente, restando a cruel dúvida sobre a determinação da diferença entre os atos executivos e os atos preparatórios, que normalmente não são puníveis pela legislação penal.

O relator esclarece que a tentativa do crime começa com a atividade do autor que, segundo o seu plano concretamente delitivo, se aproxima da realização.

Consta do voto o entendimento segundo o qual o crime deve ser percebido por intermédio da ação realizada, para que se identifique concretamente a presença de uma tentativa.

O relator cita o critério variante objetivo-individual que se confunde com a teoria objetivo-formal, que tem por base a exigência do início da realização do núcleo da norma penal incriminadora, embora elas sejam condutas meramente preparatórias a de dirigir-se ao local da subtração patrimonial.

Por fim, o relator diz que o STJ tem a tendência de seguir a corrente objetivo-formal, em observância ao seu julgado que diz, in verbis: “Em nenhum momento observa-se o início da conduta tipificada no art. 157 do Código Penal. Não houve tentativa de subtração de coisa alheia móvel. Na realidade, restaram caracterizadas tão-somente algumas fases do iter criminis, quais sejam, a cogitação e os atos preparatórios, sem a realização de qualquer ato de execução.”.

À toda evidência, como compreender que a corrente objetivo-formal consiga desprezar, para fins de penalização do criminoso, os atos de violência perpetrados contra o patrimônio alheio, com a violência e a destruição de cadeado e fechadura, dando a entender que isso seja apenas tentativa, quando o estrago e o prejuízo já foram devidamente materializados, mas isso não tem importância para a Justiça?

Vejam que absurdo, a Justiça ignorar que a quebra de cadeado e o rompimento de fechadura de portas da residência da vítima ou de outros sistemas de segurança, sejam atos criminosos, ainda mais com a deliberada intenção da prática do crime de roubo, mediante o uso de arma de fogo, e que isso correspondam a meros atos preparatórios impuníveis, por não haver nisso o início do núcleo do verbo subtrair, fato este que se subsome ao absurdo de se dizer que é legal violar a integridade patrimonial alheia, ficando tudo como se nada tivesse acontecido, à luz da Justiça.

Só faltou mencionar, no voto, a importância da definição sobre a tendência quanto à carreira profissional do delinquente, conquanto seja preciso que ela tenha condições de declinar a sua pretensão de seguir a especialização na forma da arte do crime, especificamente de ladrão ou o que seja, para que a Justiça tenha efetivas condições, em termos de segurança jurídica, sobre a efetividade da perpetração do crime, sob a certeza de que o delinquente preenche todas as exigências das melhores teorias circunstanciais e criminais, para o fim do enquadramento qualificado da persecução criminal, independentemente das consequências prejudiciais à vítima, posto que isso somente configura crime se as teorias forem todas devidamente observadas, para que o meliante não se sinta melindrado diante da imprecisão do julgamento pertinente.

Isso se chama evolução da humanidade, que permite a dedução e a interpretação mirabolantes próprias do delito como se nada do seu conjunto sequer fosse considerado como prática criminosa.

A evolução do trabalho da Justiça, nessa linha de interpretação, vai permitir se chegar ao ponto de se proibir a colocação de cadeados e outros mecanismos de segurança contra roubos, para que nem seja necessário o trabalho de se quebrá-los, dispensando esse esforço preparatório da bandidagem, que dispensaria de despender bastante empenho para adentrar no local do crime propriamente dito.

Ou seja, a Justiça pode passar a entender que se deva facilitar ao máximo o trabalho da bandidagem, permitindo maior mobilidade possível ao acesso dela à perpetuação do seu intento criminoso.

O que estarrece ao homem de boa vontade é a materialização de tamanha estultícia contra a dignidade dos sagrados direitos de propriedade, à vista da violência perpetrada contra a sua integridade, não importando que essa agressão tenha a desgraçada interpretação da Justiça de ato meramente preparatório, que já caracteriza agressão graciosa e recriminável, é precisamente se ter a certeza de que essa questionável decisão passa a prevalecer justamente em benefício e proteção da criminalidade, dando a entender que é lícita a prática de destruição de propriedade alheia, apenas sob o argumento da preparação para posterior execução de roubo.

E o pior dessa violência contra a dignidade do homem de bem é que não há recurso contra esse absurdo, ficando tudo como se fosse perfeito e acabado, como ato inquestionável, embora visivelmente contrário à dignidade humana.

Quando a sociedade esperava justamente a proteção da Justiça, ela apronta com arcabouço jurídico em favor da bandidagem, em evidente dissonância com a sua finalidade institucional, que é precisamente de trabalhar em função dos interesses da sociedade, no sentido da consolidação da sua plena integridade, inclusive quanto à proteção e à segurança.

Brasília, em 18 de maio de 2023

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