O
presidente da República assinou decreto,
cujo texto diz o seguinte: “Art. 1º Fica autorizado o emprego das Forças
Armadas para a garantia da votação e da apuração das eleições de 2022.”.
Diante
desse ato meramente administrativo, que sempre acontece por ocasião dos pleitos
eleitorais, por dever da presença das Forças Armadas para assegurarem a ordem e
a segurança no período de votação, um blogueiro, de mente brilhante, conseguiu
interpretar o referido texto da forma a seguir, em extraordinário e mirabolante
alcance que não tem nadinha a ver com o real sentido objetivado por ele.
Eis
a sonhadora intepretação alcançada pelo “genial” blogueiro, verbis: “A
notícia que todo mundo aguardava e eu vou dar aqui para vocês, em primeira mão.
Saiu o decreto presidencial, afirmando e liberando os militares para irem fazer
parte do controle, da apuração e de tudo que envolve as eleições de 22. Não é
mais uma simples autorização do TSE. O presidente Bolsonaro acabou de assinar e
saiu hoje no Diário Oficial. Os militares vão fazer parte de todo acompanhamento
das eleições de 2022. Senhor Fachin, senhor Barroso, senhor Alexandre de Morais,
quem tem mais poder, pois é? Com o decreto presidencial, toda essa semana que
aconteceu de embate no TSE, querendo
expulsar o militar lá de dentro e
agora os militares dizendo não. Eles vão continuar lá dentro. Nós estamos mando
mais oito ou nove para auxiliar em tudo que envolve as eleições, no código, na apuração,
na transparência, enfim, então essa batalha ganha mais um capítulo agora com o
decreto presidencial, que é, na verdade, o presidente da República que comanda
as forças militares em nosso país. Com isso, o presidente acaba então de vez
por todas com esse empasse, de os militares terem que ficar pedindo penico e
autorização para fazerem parte de comissão da qual o próprio TSE, lá atrás,
pela presença do Barroso, tenha aberto a possibilidade de convidar os militares
para fazerem parte. Agora, eles estão definitivamente na apuração e tudo que
envolve as eleições deste ano, através de um decreto presidencial, que
determina que eles façam parte dessa estrutura toda que envolve as eleições,
inclusive com autorização para subir os morros e para fazer todo controle
necessário para maior segurança possível, da maneira democrática, da maneira que
o povo e a cidadania brasileira possam confiar de fato no que possa acontecer
no próximo dia 2 de outubro (...)”.
Fora
de dúvida, é muito difícil se encontrar mente tão absurdamente “brilhante” e “genial”
como a desse blogueiro, que viu em texto extremamente simplório de autorização para
as Forças Armadas apoiarem, se necessário, a segurança das eleições, a generalização
para elas interferirem no processo eleitoral, de forma ampla e ilimitada, tendo
por base, pasmem, mero decreto presidencial, que extrapolaria os limites de competência
constitucional da Justiça eleitoral.
Somente
nas piores republiquetas, um decreto teria a força superior à da Constituição,
de modo a interferir na competência atribuída privativamente à Justiça eleitoral,
autorizando que as Forças Armadas pudessem atuar de maneira ampla e irrestrita
no processo eleitoral.
No
Estado Democrático de Direito, que é prevalência do Brasil, o decreto tem a
mera finalidade de regulamentar a lei, como forma de minuciar os pontos
específicos tratados nela, de modo a facilitar a sua execução.
Seria
verdadeira aberração jurídica se o presidente da República tivesse a
insensibilidade de interferir na Justiça brasileira, por meio de decreto, que sequer
tem força de lei.
Tudo
isso é para esclarecer que a Justiça eleitoral tem competência com sede no
artigo 118 da Constituição, que estabelece, verbis: "São órgãos da
Justiça Eleitoral: I - o Tribunal Superior Eleitoral; II - os Tribunais
Regionais Eleitorais; III - os juízes eleitorais; IV - as Juntas Eleitorais.”.
Nesse
rol de órgãos, não figura nenhum outro e somente por emenda constitucional
seria legitimamente conferida competência para as Forças Armadas atuarem em conjunto
com a Justiça eleitoral.
Ou
seja, seria demonstração de desespero sem causa se essa absurda notícia fosse
verdadeira, porque ela não tem a menor plausibilidade jurídica, diante do
estado democrático.
É
verdade que, de certa forma, vem faltando credibilidade à Justiça eleitoral, não
por algum ato suspeito concreto, à vista das dúvidas suscitadas e não esclarecidas,
de maneira substancial, fatos estes que são creditáveis à incompetência de
autoridades, que não tiveram habilidade suficiente para solucionar as questões
levantadas, mas a assinatura de decreto para oficializar a participação das
Forças Armadas, na Justiça eleitoral, seria o coroamento da burrice
administrativa, diante do império constitucional.
Ainda
bem que o aludido decreto trata apenas de matéria de competência presidencial,
sem qualquer extrapolação do poder de interferir na Justiça eleitoral, o que é
totalmente diferente da notícia alardeada por sonhador e presunçoso bolsonarista.
Brasília,
em 17 de agosto de 2022
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