quarta-feira, 17 de agosto de 2022

Audácia?

 

O presidente da República  assinou decreto, cujo texto diz o seguinte: “Art. 1º Fica autorizado o emprego das Forças Armadas para a garantia da votação e da apuração das eleições de 2022.”.

Diante desse ato meramente administrativo, que sempre acontece por ocasião dos pleitos eleitorais, por dever da presença das Forças Armadas para assegurarem a ordem e a segurança no período de votação, um blogueiro, de mente brilhante, conseguiu interpretar o referido texto da forma a seguir, em extraordinário e mirabolante alcance que não tem nadinha a ver com o real sentido objetivado por ele.

Eis a sonhadora intepretação alcançada pelo “genial” blogueiro, verbis: “A notícia que todo mundo aguardava e eu vou dar aqui para vocês, em primeira mão. Saiu o decreto presidencial, afirmando e liberando os militares para irem fazer parte do controle, da apuração e de tudo que envolve as eleições de 22. Não é mais uma simples autorização do TSE. O presidente Bolsonaro acabou de assinar e saiu hoje no Diário Oficial. Os militares vão fazer parte de todo acompanhamento das eleições de 2022. Senhor Fachin, senhor Barroso, senhor Alexandre de Morais, quem tem mais poder, pois é? Com o decreto presidencial, toda essa semana que aconteceu de embate no TSE, querendo  expulsar  o militar lá de dentro e agora os militares dizendo não. Eles vão continuar lá dentro. Nós estamos mando mais oito ou nove para auxiliar em tudo que envolve as eleições, no código, na apuração, na transparência, enfim, então essa batalha ganha mais um capítulo agora com o decreto presidencial, que é, na verdade, o presidente da República que comanda as forças militares em nosso país. Com isso, o presidente acaba então de vez por todas com esse empasse, de os militares terem que ficar pedindo penico e autorização para fazerem parte de comissão da qual o próprio TSE, lá atrás, pela presença do Barroso, tenha aberto a possibilidade de convidar os militares para fazerem parte. Agora, eles estão definitivamente na apuração e tudo que envolve as eleições deste ano, através de um decreto presidencial, que determina que eles façam parte dessa estrutura toda que envolve as eleições, inclusive com autorização para subir os morros e para fazer todo controle necessário para maior segurança possível, da maneira democrática, da maneira que o povo e a cidadania brasileira possam confiar de fato no que possa acontecer no próximo dia 2 de outubro (...)”.

Fora de dúvida, é muito difícil se encontrar mente tão absurdamente “brilhante” e “genial” como a desse blogueiro, que viu em texto extremamente simplório de autorização para as Forças Armadas apoiarem, se necessário, a segurança das eleições, a generalização para elas interferirem no processo eleitoral, de forma ampla e ilimitada, tendo por base, pasmem, mero decreto presidencial, que extrapolaria os limites de competência constitucional da Justiça eleitoral.           

Somente nas piores republiquetas, um decreto teria a força superior à da Constituição, de modo a interferir na competência atribuída privativamente à Justiça eleitoral, autorizando que as Forças Armadas pudessem atuar de maneira ampla e irrestrita no processo eleitoral.

No Estado Democrático de Direito, que é prevalência do Brasil, o decreto tem a mera finalidade de regulamentar a lei, como forma de minuciar os pontos específicos tratados nela, de modo a facilitar a sua execução.

Seria verdadeira aberração jurídica se o presidente da República tivesse a insensibilidade de interferir na Justiça brasileira, por meio de decreto, que sequer tem força de lei.

Tudo isso é para esclarecer que a Justiça eleitoral tem competência com sede no artigo 118 da Constituição, que estabelece, verbis: "São órgãos da Justiça Eleitoral: I - o Tribunal Superior Eleitoral; II - os Tribunais Regionais Eleitorais; III - os juízes eleitorais; IV - as Juntas Eleitorais.”.

Nesse rol de órgãos, não figura nenhum outro e somente por emenda constitucional seria legitimamente conferida competência para as Forças Armadas atuarem em conjunto com a Justiça eleitoral.

Ou seja, seria demonstração de desespero sem causa se essa absurda notícia fosse verdadeira, porque ela não tem a menor plausibilidade jurídica, diante do estado democrático.

É verdade que, de certa forma, vem faltando credibilidade à Justiça eleitoral, não por algum ato suspeito concreto, à vista das dúvidas suscitadas e não esclarecidas, de maneira substancial, fatos estes que são creditáveis à incompetência de autoridades, que não tiveram habilidade suficiente para solucionar as questões levantadas, mas a assinatura de decreto para oficializar a participação das Forças Armadas, na Justiça eleitoral, seria o coroamento da burrice administrativa, diante do império constitucional.

Ainda bem que o aludido decreto trata apenas de matéria de competência presidencial, sem qualquer extrapolação do poder de interferir na Justiça eleitoral, o que é totalmente diferente da notícia alardeada por sonhador e presunçoso bolsonarista.

Brasília, em 17 de agosto de 2022

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