terça-feira, 9 de agosto de 2022

O poder do povo

 

Vem circulando nas redes sociais mensagem que analisa a possibilidade de o presidente do Senado Federal assumir a Presidência da República, a partir do início do período que compreende a campanha eleitoral, porque o titular seria obrigado a se afastar do cargo, para cuidar da sua reeleição.

Nesse caso, o presidente da República interino passaria a ter competência com amplos poderes, inclusive para adotar medidas como o fechamento do Supremo Tribunal Federal e a substituição dos ministros, segundo a ideia forjada pela referida mensagem.

Não obstante, de acordo com o art. 82 da Constituição, "O mandato do presidente da República é de quatro anos e terá início em 5 de janeiro do ano seguinte ao de sua eleição.".

Como se vê, não existe, nesse texto, qualquer obrigatoriedade para o afastamento do presidente da cargo, para quem quiser se candidatar à reeleição.

Isso vale dizer que todas as premissas delineadas pelo articulista caem por terra, não tendo a menor validade o esforço argumentativo exposto em longa explanação, inclusive de medidas antidemocráticas, como aventado acima.

De outra feita, também não passa de perda de tempo em se invocar algum poder do povo para se exigir algo de algum poder da República, como a adoção de qualquer medida, sob o argumento de que emanado algum poder dele, porque isso não passa de falácia, quando o único poder que o povo tem escrito na Constituição consta no parágrafo único do art. 1º, que diz exatamente o seguinte: "Todo o poder emana do povo, que o exerce por meio de representantes eleitos ou diretamente, nos termos desta Constituição.". 

Ou seja, o povo só tem poder para votar e nada mais, porque o seu poder se encerra ao voto, que elege o seu representante legal, que sequer fiscalizar pode por quem votou nele, exatamente por faltar amparo legal.

Essa história de se alardear que o povo pode exigir mudanças de alguma coisa dos poderes da República não tem qualquer sustentação jurídica.

É preciso que qualquer ato tomado por autoridade seja assumido por ela, com base na sua competência constitucional, porque ele poderá apenas ser apoiado pelo povo, mas nunca respaldado legalmente por ele, como se existisse poder emanado por ele, uma vez que isso inexiste na Constituição.

Ou seja, não passa de perda de tempo as pessoas irem para ruas, sob multidões, porque o seu apelo não tem ressonância jurídica.

Se o povo tivesse algum poder, o presidente da República não teria feito o grosseiro papelão pós 7 de setembro do ano passado, quando ele pediu que o povo fosse às ruas, que ele faria o que o povo quisesse.

Realmente, o povo foi às ruas e disse o que queria, que foi o fechamento do Supremo, sob o embalo da conversa mentirosa do presidente de que ele não mais atenderia decisão de um ministro daquela corte, que depois, frustrando às expectativas do povo, voltou atrás e ainda beijou as mãos do ministro, ante o pedido de desculpas, dizendo que havia errado e pediu perdão, prometendo fazer as coisas certas, cujas promessas foram mandadas para o espaço sideral, em harmonia com o seu gênio impulsivo de pura rebeldia.

Agora, qualquer reincidência dos fatos poderá ser mera coincidência, porque ele também voltou a pedir que o povo vá às ruas, só não teve a ingenuidade de afirmar, ainda, que faz o que o povo quiser, porque ficou muito feio para ele, no ano passado, depois de prometer e nada fazer.

Enquanto houver ingenuidade do povo, que ainda acredita em conversa de políticos, este país nunca será consertado, porque as promessas deles nem sempre são cumpridas nem levadas a sério, mesmo poque o povo nada exige e se logo se esquece delas.

Enfim, não passa de pura cretinice se atribuir ao dispositivo constitucional efêmero poder ao povo, porque ele não existe, a não ser para eleger seu representante político, que passa a exercer o efetivo poder, ou seja, o poder é muito importante, tanto que só existe pela existência do povo, que termina, depois de votar, sem nenhum poder para decidir em defesa de seus direitos políticos e cívicos.

Como se percebe facilmente, esse fato termina sendo verdadeira incoerência, quando, por instante, o poder do povo vale muito, somente na hora do voto, sendo de suma importância, com influência decisiva na governança do país, mas logo depois, no final das contas, não vale absolutamente nada.

Convém, por que as circunstâncias da atualidade contemporânea já exigem medidas coerentes com a realidade política, que o povo tenha realmente condições de influenciar na vida política brasileira, de modo que possa prevalecer a sua soberana vontade à altura da sua importância como a célula-mater da pátria, a razão primacial do Estado, que precisa sim ter poder suficiente, em consonância com os princípios democráticos, para decidir sobre os assuntos importantes do Brasil, que também seja do seu benefício cívico-político.

O certo é que, na forma constante do texto constitucional vigente, que diz muito claro que o povo somente tem poder para votar, para eleger, sem nenhuma outra atribuição cívica, somente leva ao ridículo de se imaginar que ele pode tudo, diante da expressão “o poder emana do povo”, mas, na verdade, o poder é exercido por seus representantes legais, ou seja, na prática, o povo não tem poder de nada, porque, no final, quem tem o poder é aquele que ele elege, que, por conta disso, também não tem vínculo nenhum com o povo, depois de eleito.  

Dessa forma, urge que o povo exija a mudança da Constituição, em especial no que se refere ao texto constante do parágrafo único do artigo 1º, para os necessários aprimoramento e atualização, no sentido de que fique muito claro o seu enunciado, em condições de firmeza quanto ao verdadeiro poder de cidadania atribuído ao povo, nos seguintes termos: “Todo o poder emana do povo, por meio da eleição de seus representantes políticos, da fiscalização política sobre estes e, em especial, do oferecimento de medidas com vistas à modernização e ao aperfeiçoamento da administração pública.”.       

Brasília, em 9 de agosto de 2022

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