quinta-feira, 18 de janeiro de 2018

Criatura insensível e irracional

A Justiça do Distrito Federal proibiu o uso de animais em "provas de perseguição, laceio ou derrubada" em vaquejadas na capital do país, sob pena de multa no valor de R$ 50 milhões para cada evento que desrespeite a decisão. 
A multa não impede que os organizadores e participantes sejam punidos, na esfera criminal, por desobediência e maus-tratos aos animais.
O juiz da Vara de Meio Ambiente autoriza apenas a exibição e a venda dos animais, que são operações que não os expõem à atividade intensa ou competitiva, mas, mesmo assim, a organização deve garantir ambiente adequado e amparo médico-veterinário.
Compete ao governo do Distrito Federal proibir a realização das provas listadas e também fiscalizar o cumprimento da decisão judicial, que se fundamenta em maus-tratos e crueldade das atividades, aspectos éticos, questão cultural e esportiva da vaquejada e interesse econômico nos eventos.
O juiz ressalta que "não pode haver dúvidas de que a Constituição proíbe terminantemente a crueldade contra animais" e que, no caso das vaquejadas, o sofrimento dos animais vai além do momento do evento, se estendendo à concentração e aos treinamentos para cada competição.
Ele disse que "Durante a prova, a derrubada do animal se dá por meio de uma torção no rabo, o que ocasiona lesões traumáticas na medula espinhal e muitas vezes resulta no desmembramento da cauda. Já a laçada exige que o boi saia em disparada, motivo pelo qual se procede a prévio molestamento por meio de choques elétricos e estocadas, levando o animal a extremo estado de agitação e estresse", ou seja, crueldade que poderia ser estendida também aos organizadores, para que eles sentissem na pele o quanto é doloroso o tratamento dispensado aos animais, que são expostos a castigos físicos, para manter o alto padrão do espetáculo, à custa de judiação e maus-tratos.
No que se refere ao aspecto da ética, o juiz cita a "regra de ouro" – ou "imperativo categórico" –, que tem por base a máxima segundo a qual “não fazer aos outros o que não se deseja para si mesmo.”
Ele complementa seu raciocínio, dizendo que "(...) a utilização de animais em práticas ‘esportivas’ que causam dor e terror é francamente antiética, além de inconstitucional, dado que, salvo os pervertidos denominados ‘masoquistas’, nenhum ser senciente aprecia a dor e o pavor (...)".
O magistrado também rejeita o argumento da "tradição cultural", usado, de forma maquiavélica, pelos defensores da vaquejada, tendo ele a equiparado, em comparação com outras tradições que foram derrubadas ao longo das últimas décadas, a exemplo da cultura machista, da "cultura da corrupção" e, em analogia com a vaquejada, a prática das rinhas de galo.
O juiz disse que "determinadas tradições podem ter sido aceitas e até celebradas em determinado momento histórico, mas tornarem-se inadmissíveis em outro, conforme evolução da consciência ética da sociedade ou determinada por fatores outros".
Em conclusão, o magistrado disse que a exclusão das provas não anula, por si só, o valor econômico-financeiro das atividades de exposição e venda dos animais, tendo assinalado que o interesse econômico não pode se sobrepor às regras jurídicas.
O juiz ressaltou que, "Ao revés, o que denomina atualmente ‘direito ambiental’ constitui-se exatamente de um complexo de limitações jurídicas contra os excessos do capitalismo e da ambição humana (...)".
O Supremo Tribunal Federal já se posicional sobre a prática da vaquejada, tendo concluído por sua inconstitucionalidade, quando fez análise de ação com origem no Ceará, mas, posteriormente, o Congresso Nacional veio a promulgar emenda à Constituição, declarando, pasmem, como não cruéis as práticas desportivas que utilizem animais, desde que sejam manifestações culturais.
Por força dessa norma, foi viabilizada a prática da vaquejada, tendo por base lei sancionada nesse sentido, elevando tal prática à condição de manifestação cultural, em clara demonstração de involução do pensamento cultural do bicho homem, que não consegue entender que judiação e maldade com animais jamais podem ser considerados manifestação cultural, porque esta se presta para a degradação do respeito ao princípio da integridade de animais, diante dos abusos praticados contra eles.
O bicho homem precisa se conscientizar acerca do princípio que é “regra de ouro”, muito bem lembrado pelo magistrado, de que não se deve fazer aos outros o que não se deseja para si e isso significa dizer que o sofrimento que pode ser causado contra outrem é preciso ser evitado para si, porque ele não é aceito por quem o pratica.
Nos países sérios, civilizados e evoluídos, em termos culturais, políticos e democráticos, as manifestais de cunho cultural têm conotação com o zelo e o respeito à preservação da inteireza física, em se manter as condições de perfeição dos objetos e das coisas, quando se sabe que as práticas de vaquejadas têm por cerne a queda, a derrubada de forma brutal, dos animais, que certamente os reflexos são imprevisíveis, que podem resultar em quebra de membros, extração da cauda e outros graves ferimentos e lesões, todos absolutamente imprevisíveis e danosos à integridade animal.
Na verdade, não passa de pura irracionalidade se alegar, de forma descarada, manifestação cultural para justificar a prática desumana e brutal de vaquejada, quando o pano de fundo mesmo é o fator econômico, porquanto os eventos são todos patrocinados por poderosos empresários, que se beneficiam com o lucro fácil, por meio da exploração de animais sujeitos ao sacrifício e ao sofrimento.
Em termos de manifestação cultural, até que se poderia se enquadrar as vaquejadas nesse contexto, mas tão somente em tempos remotos, quando o bicho homem não dispunha dos avanços e da evolução dos equipamentos modernos que oferecem ao homem inteligente divertimento de primeira qualidade, com capacidade superior e sem a menor degradação alguma, para substituir, com bastante vantagem, as vaquejadas, que são penosas e infelizmente contribuem para o infortúnio de animais indefesos, em benefício econômico para os seus patrocinadores, que se valem falsamente desse pomposo título de manifestação cultural.
Convém que as entidades de defesa dos animais promovam, na medida do possível, intensas campanhas, com vistas à mobilização da sociedade, no sentido de compreender que manifestação cultural tem tudo a ver com o respeito ao bom senso, à integridade e à individualidade dos animais e isso jamais pode ser confundido com o absurdo da realização de vaquejadas, que são práticas egoístas, ultrapassadas, perversas e maldosas contra animais sem defesa, em indiscutível afronta ao sentimento humanitário, que se fragiliza e se apequena diante da ganância pelo lucro, que transforma o bicho homem em criatura insensível e irracional. Acorda, Brasil!
ANTONIO ADALMIR FERNANDES

Brasília, em 18 de janeiro de 2018

Nenhum comentário:

Postar um comentário