O
principal órgão do Poder Judiciário brasileiro, o Supremo Tribunal Federal, entrou
de recesso, no final de 2017, tendo deixado de concluir 50 julgamentos
iniciados no plenário, que foram interrompidos pelos chamados “pedidos de
vista”, que são previstos no seu Regimento Interno.
Já
se tornaram comuns, na rotina dos tribunais, os pedidos de vista que são
formulados durante a sessão, por algum dos magistrados, basicamente sob a
alegação da necessidade de mais tempo para estudar o assunto, elaborar o voto
que irá proferir e levar o caso a julgamento em data futura, em geral
indefinida, que normalmente depende do atendimento à conveniência sobre a
indefinição da matéria, que já até pode estar com maioria de votos e liquidada,
mas a interrupção paralisa tudo.
Dos
casos paralisados em 2017, a maioria (38) até foram devolvidos à presidência da
Corte, com o voto pronto do ministro que pediu vista, mas a retomada do seu
julgamento não pôde ser realizada porque os processos precisam ser agendados
novamente, cabendo à presidente do Supremo agendá-los na já apertada pauta do
plenário.
No
total dos pedidos de vista, há exatamente 216 processos que estão à espera de
julgamento no Supremo, sendo que eles representam pouco mais que 0,4% do total
de 45,5 mil processos em tramitação no tribunal.
Existe
um pedido de vista que foi feito em 2001, que se encontra à espera de
verdadeiro milagre para ser julgado e definida a matéria.
As
regras do Supremo permitem ao ministro pedir “vista” do processo, durante o
julgamento – o termo decorre do tempo em que inexistiam cópias digitalizadas do
processo, e assim a consulta aos autos só se fazia nos volumes, em papel, que
ficavam transitando fisicamente entre os gabinetes.
O
Regimento Interno do Supremo estabelece que, após o pedido de vista, o ministro
deve apresentar o voto até a segunda sessão seguinte, mas essa norma foi
modificada, para permitir que o ministro possa elaborar o voto em até 20 dias, sem
que haja qualquer consequência em caso da inobservância desse prazo nem no
adiamento por tempo indefinido do julgamento, salvo com relação aos
interessados que devem ficar injuriados quando a matéria do seu interesse é
praticamente engavetada, porque o ministro houve por bem fazer uso da sua
prerrogativa, sabe-se lá por qual motivo.
Diante
da constatação de abusos, nesse particular, o Conselho Nacional de Justiça,
muito prudencialmente, resolveu aprovar, em 2013, regra mais rigorosa e
consentânea com a dinâmica processual – não aplicável ao STF –, que estabelece que,
nos demais tribunais, os juízes têm 20 dias para devolver o processo, no caso
de pedido de vista, mas, havendo o descumprimento desse prazo, sem
justificativa, o caso é automaticamente incluído na pauta da sessão seguinte, após
o vencimento dele.
Trata-se
de regra de meridiana inteligência, para se evitar que o processo demore a ser
julgado, mas essa salutar e evoluída lição não pode ser empregada pelo Supremo,
mostrando exatamente brutal incoerência, porque, sendo o principal órgão do
Poder Judiciário, ele precisa, em termos do aprimoramento processual, dar o exemplo
para ser seguido pelos demais tribunais, não permitindo, como vem acontecendo,
que os pedidos de vista se transformem em verdadeira manobra protelatória, para,
possivelmente, satisfazer interesses inconfessáveis.
Um
professor e pesquisador de direito da Fundação Getúlio Vargas disse que não
deveria existir pedido de vista, por se tratar de “uma jabuticaba que tem vários aspectos negativos e nenhum positivo. São
usados como estratégia para vetar unilateralmente os julgamentos".
Ele
sustenta que, atualmente, cabe ao Supremo decidir sobre questões de grande
impacto, a exemplo da discussão acerca do foro privilegiado para políticos –
parada em novembro –, que, segundo ele, “impacta
diretamente no combate à corrupção”.
O
professor lembrou o caso da proibição da doação para financiamentos de
campanhas eleitorais, por empresas, em que a ação chegou ao tribunal em 2011,
começou a ser julgada em 2013, mas foi concluída só em 2015, por causa de dois
pedidos de vista, tendo concluído que “As
eleições de 2014 poderiam ter outro rumo”.
É
engraçado que os responsáveis pelos pedidos de vista, que paralisaram os dois
casos supracitados, alegaram, como justificativa, em ambas as ocasiões, que
interromperam o julgamento para dar ao Congresso Nacional a chance de decidir
sobre a questão, que afetam diretamente a política, ou seja, no fundo, a
verdadeira motivação não passa de escrachada e grosseira embromação.
O
ministro que fez o pedido de vista acima disse que “O simples fato de ter colocado esse tema em debate fez com que o
próprio Congresso Nacional fosse instado a deliberar sobre ele”, mas o
simples adiamento, no Supremo, fez arrefecer o assunto também no Parlamento e a
questão não se define em nenhum dos poderes, em prejuízo para a dinâmica processual
e o combate à imoralidade e à corrupção, haja vista que matéria de suma
importância deixa de ser resolvida com menos demora, em razão de capricho
pessoal de ministro, que deixa de pensar no país e cuida de assuntos paroquiais.
Um
ex-ministro do Supremo disse que “O
pedido de vista é muito importante quando existe uma dúvida. Agora, quando a
questão já está longamente debatida significa atrasar o julgamento, com
prejuízo para o jurisdicionado, e para o próprio STF. Muitas vezes o juiz traz um voto mais extenso, com outras considerações,
mas desnecessárias. O jurisdicionado quer solução para o seu caso”.
Outro
ministro do Supremo afirmou “O ministro
que não é o relator, ao ouvir o relatório no plenário e na coleta de cada voto,
pode realmente dizer que não está em condições de votar, cognitivamente não
domina o assunto com a consistência, profundidade, clareza que possibilite um
conforto intelectual”.
No
caso do Supremo, que tem sobrecarga de processos, na casa dos milhares, à
espera de julgamento, caracteriza verdadeiro crime quando o ministro faz pedido
de vista, às vezes visivelmente sem justificativa plausível, porque isso nada
mais é do que atrasar deliberadamente o julgamento e contribuir para emperrar
ainda mais a pauta, a exemplo da devolução de 38 processos à presidência que
ultrapassaram o ano na fila, justamente por falta de espaço na agenda.
Na
forma como o instrumento pedido de vista é empregado no Supremo, em que a devolução
fica sob o arbítrio do ministro, não prevalece, não se justifica nem mesmo nas
republiquetas mais atrasadas, que já evoluíram, nesse particular, por
entenderem que se trata de anomalia não mais aceitável na modernidade que
precisa primar na atualidade.
Não
resta a menor dúvida de que o instituto do pedido de vista tem por finalidade o
aperfeiçoamento do trabalho dos tribunais, mas o seu uso, principalmente no
Supremo, infelizmente, foi transformado em símbolo de manobra, quase sempre
injustificável, por meio da qual o ministro, com a maior cara de pau, finge que
desconhece a matéria e alega que precisa de mais tempo para se inteirar dos
fatos constantes dos autos ou simplesmente inventa outra desculpa esfarrapada e
igualmente absurda, eis que ele conhece o assunto de que se trata bem melhor
até mesmo do que o próprio relator, mas mesmo assim ainda pede vista.
Com
isso, o ministro satisfaz o seu desejo de interromper o julgamento ou atende algum
interesse contrariado, com o adiamento da decisão para quando a sua vontade bem
entender, ficando os interessados esperando até um dia do seu benquerer e
quando achar que já se inteirou da matéria e decide devolver o processo
exatamente com o voto que já tinha desde o momento que pediu vista.
Trata-se
de indiscutível desserviço à dinâmica do Supremo, que é obrigado a agendar
novamente o processo que já deveria ter sido resolvido quando houve o pedido
vista, ficando patenteada a atitude bastante prejudicial à dinâmica processual,
por necessário novo agendamento do mesmo processo, quantas vezes que ele for
pedido vista.
Conviria,
como alternativa moralizadora, que o ato de pedido de vista não fosse
impositivo pela simples vontade do ministro, mas sim que o pedido em si fosse
decidido pelos demais ministros, dizendo se concorda ou não com ele.
Os
ministros do egrégio Supremo Tribunal Federal poderiam ter a sensatez e a
humildade de adotar a regra prudencial e moralizadora aprovada pelo colendo Conselho
Nacional de Justiça, de se incluir o caso na sessão seguinte, quando for
vencido o prazo, sem que o processo tenha sido devolvido, como forma de mostrar
o real sentido de se evitar procrastinação proposital, sem a menor
razoabilidade, e principalmente prejuízos ao interesse público, porque não se justifica
que matéria importante, assim reconhecida por aqueles que já votaram, fique
paralisada por vontade de único ministro, que nem sempre tem a sinceridade e a
dignidade de declinar o real motivo do seu pedido de vista, que sempre fica
explícita a existência de motivação muito mais de outrem do que de interesse nacional
ou sociedade. Acorda, Brasil!
ANTONIO ADALMIR FERNANDES
Brasília, em 4 de janeiro de 2018
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