terça-feira, 23 de janeiro de 2018

Insensibilidade política

O ex-presidente da República petista é acusado de ter recebido propina da empreiteira OAS, por meio da reserva e de benfeitorias de um apartamento tríplex em Guarujá (SP).
Por causa disso, na sentença proferida pelo juiz da Operação Lava-Jato foi mencionado, como argumentos para condenar o petista à prisão a ascendência dele sobre diretores da Petrobras, o fato de o apartamento nunca ter sido colocado à venda pela OAS e a personalização produzida no imóvel, que não foi feita em outras unidades, além, evidentemente, das provas testemunhais e até documentais, que, na avaliação do magistrado constituem elementos suficientes para a formação de juízo sobre a materialidade da autoria dos fatos denunciados.
No âmbito do seu dever, a defesa do político nega, sobretudo, a propriedade do imóvel em questão, apenas declarando que ele o visitou uma única vez.
A defesa afirmou ainda, com veemência, que não há vínculo da propriedade do imóvel com contratos da Petrobras citados pelo Ministério Público Federal e que o apartamento até hoje está sob responsabilidade da empreiteira.
Em caso de condenação em segunda instância, o ex-presidente fica inelegível, por forma do que dispõe a Lei da Ficha Limpa, mas ele pode se manter na disputa à Presidência da República, mediante indefinidos recursos à Justiça.
Contrariando a orientação de sua assessoria jurídica, o líder-mor petista está em Porto Alegre, nesta terça-feira, véspera de seu julgamento pelo Tribunal Regional Federal da 4ª Região (TRF-4).
O político participará de marcha, com a participação dos manifestantes, que sairá da Esquina Democrática, no centro da cidade, dando início à vigília pela absolvição dele.
Amanhã, o ex-presidente terá sua apelação julgada pelo TRF-4, acerca da condenação à prisão, pelo juiz responsável pela Operação Lava-Jato, a nove anos e seis meses, pela prática dos crimes de corrupção passiva e lavagem de dinheiro.
O Instituto Lula informou que o político participará da citada marcha e regressará a São Paulo ainda nesta terça-feira, segundo se informa para evitar a impressão de afronta ao Judiciário e incitação à violência, sob a alegação de que a viagem a Porto Alegre representa "gesto de carinho".
Segundo um petista, o ex-presidente sentiu-se na obrigação de ir a Porto Alegre, depois de ter constatado a importância da mobilização nacional e internacional em seu apoio e isso teve o peso para a decisão, diante do apelo de lideranças petistas para que ele prestigiasse os militantes que viajaram em 500 caravanas.
O vice-presidente do PT disse que "Multiplica muito o entusiasmo a vinda de Lula. Teremos mais mobilização. Não aceitaremos calados a violência à democracia brasileira. O dia de hoje foi vitorioso. Muita gente questionava nosso direito de se manifestar.".
Uma dirigente gaúcha da Frente Povo Sem Medo disse que, já que "o julgamento de Lula é político", sua vinda é legítima, tendo completado: "Fortalece toda agenda partidária contra as reformas (trabalhista e previdenciária).".
À toda evidência, a ida do petista a Porto Alegre apenas demonstra tremenda falta de bom sendo e racionalidade, considerando que se trata de encontro que tem por objetivo, quer queira ou não, o acirramento dos ânimos da militância que vem ameaçando as autoridades e as instituições com atos de violência e destruição, inclusive prometendo mortes aos juízes e familiares deles.
Se o político quisesse demonstrar o mínimo de sensibilidade e sensatez, teria apenas feito vídeo com mensagem de pacificação e de harmonia, para que a militância se manifestasse em clima de tranquilidade, evidentemente aproveitando para agradecer, como de praxe, pelo apoio que vem recebendo de seus idólatras.
Nas circunstâncias, a presença dele na sede do tribunal que vai julgá-lo demonstra cristalina disposição para afrontar a autoridade dos juízes, na tentativa de intimidá-los e ganhar a causa no grito e na marra, imaginando que o Brasil é uma republiqueta sem autoridade e suas leis não podem ser aplicadas contra quem se julga acima delas.
A verdade é que, se houver qualquer ato de violência e se o confronto causar alguma forma de desordem pública, resta provado que a ida do petista à capital gaúcha serviu para turbinar ainda mais os ânimos da militância, que certamente vai se achar no direito de incendiar aquela cidade, diante do respaldo do seu líder-mor, que não teve a sabedoria para entender que o momento é por demais delicado e exige cautela e prudência, principalmente porque a decisão certamente será prolatada com base nos elementos dos autos, com a consistência capaz de se firmar o entendimento sobre a culpabilidade ou a inocência do já condenado, que não conseguiu convencer o juiz da primeira instância sobre a sua imaculiridade quanto aos fatos objeto da denúncia fundada no recebimento de propinas da construtora OAS.
Os brasileiros esperam que o político seja mais consciencioso sobre a necessidade de compreender que o denunciado por desvio de conduta é somente ele, que tem a obrigação pessoal de se defender das acusações, com os meios juridicamente válidos, principalmente na forma da ampla defesa e do contraditório, com embargo de condenáveis mobilizações da sociedade, normalmente desinformada sobre as circunstâncias da demanda na Justiça, que precisa ser respeitada, sob o primado do Estado Democrático de Direito, conquanto suas sentenças são respaldadas na existência da materialidade da autoria dos fatos denunciados, à luz da legislação aplicável à espécie. Acorda, Brasil!
ANTONIO ADALMIR FERNANDES

Brasília, em 23 de janeiro de 2018

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